sexta-feira, novembro 28, 2003

Aniversário



Há um ano, o Santos entrava em campo no Morumbi para eliminar o São Paulo do campeonato brasileiro. Poderia até perder por um gol de diferença, mas venceu por 2x1, de virada.

Há um ano, acontecia um dos melhores momentos da minha vida.

Quando ficamos em oitavo lugar na primeira fase, não tinha muitas esperanças. O Santos era irregular, fazia jogos memoráveis e partidas vergonhosas com a mesma frequência. Do outro lado, um São Paulo soberano, primeiro colocado, com a boa fase de Luís Fabiano, a habilidade do Kaká, a solidez de Rogério e a genialidade (em tese) de Ricardinho, que ainda não sabíamos que tinha se tornado um bonde com a camisa tricolor.

Além desses, eu via outros oponentes na minha frente. Via o São Paulo e tudo o que esse time representou de ruim na minha vida. Via aquela torcida fajuta, constituída em grande quantidade por torcedores-de-sofá, traidores que mudaram de time na infância, bichas - no pior sentido da palavra. E via a grande oportunidade de ir à desforra contra esse time.

Antes do mata-mata começar, tomado pelo meu pessimismo habitual, tinha certeza que seríamos eliminados. Por isso, encarei a disputa sem muito stress, no espírito do "o que vier é lucro". Falava pra todos que, dado o imenso favoritismo do São Paulo, uma classificação do Santos seria motivo para gozação por dez anos. E foi o que aconteceu.

No primeiro jogo, ganhamos de maneira soberana por 3x1. O gol do Kaká, no final do primeiro tempo, até assustou um pouco, mas nada que tirasse o brilho da vitória.

Veio o segundo jogo. Pela superstição que me acompanhou no final do campeonato, não quis ir à partida. E ela só foi transmitida no pay-per-view! Descobri um lugar aqui na USP com uma tv que transmitiria o jogo, e lá fui eu ver. Na certeza que o pior aconteceria.

Logo a cinco minutos, um a zero pro São Paulo. E a certeza da eliminação tomou conta de mim. Mas equilibramos as coisas e o primeiro tempo acabou assim. No intervalo, disse a um amigo são-paulino que via o jogo do meu lado que "já era". Me referia, claro, a um eventual massacre tricolor que aconteceria no segundo tempo.

Mas aí a gente empatou o jogo. O curioso é que não comemorei esse gol. Fiquei parado, olhando a TV, como se nada tivesse acontecendo. Acho que o que eu queria acreditar é isso mesmo, que aquele gol não significava nada. Pra não ter mais frustrações futuras.

O tempo foi passando, e ouvia pessoas que davam a fatura como consumada. Os são-paulinos ouviam um "e-li-mi-na-do" dos corinthianos que se reuniram para torcer contra o tricolor. Eu, imóvel, nem ousava pensar em nada nesse sentido. Meu amigo Carlos Padeiro, véio de guerra, que via a partida ao meu lado comemorava. Eu o mandava calar a boca. Ele ria, tenso. Estávamos os dois tensos.

Até que, aos 43 do segundo tempo, um ataque tricolor é frustrado, e a bola sai pela lateral. Arremesso pro Santos. Naquele momento comecei a acreditar na classificação. Falei um "é nóis, Padeiro", tímido, fraco, sufocado pela emoção. E fiquei sufocado literalmente quando Diego marcou o segundo gol, já que todo mundo pulou em cima de mim pra comemorar.

Daí pra frente era festejar. Eu, que não sou o maior fã de cerveja, tomei umas três latas. Peguei o telefone e liguei pra dois amigos, Varas e Cristiano, que não cansavam de berrar ao telefone.

Acabada a festa, peguei o ônibus pra voltar pra casa. No caminho, passamos pela ponte do Morumbi - lotada de são-paulinos que, como eu, retornavam ao lar depois de ver a partida. Alguns entraram no busão que eu estava - e, claro, fiquei com medo, com aquela tradicional cara de "torcedor-que-está-no-meio-da-massa-adversária", que quem já fez sabe como é. Menos mal que estava acompanhado de uma amiga, e aí, conversando com ela, nem dei muito na cara que era um santista feliz no meio daquela bicharada toda.

Daí pra frente veio a semifinal com o Grêmio, e o título. Claro que ser campeão é um caso à parte, por isso não dá pra comparar esse mata-mata com a disputa com o Corinthians. Mas que foi algo inesquecível, mágico, especial, isso sim.